Vamos falar um pouco do tema da redação do Enem 2023: “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”?
Trabalho e cuidado, palavras que parecem não poder ficar juntas, ainda mais quando logo depois vem a palavra mulher!
A mulher tem cuidado da casa, dos filhos, dos familiares. Tais cuidados estão sempre bem visíveis a ela, mas e o cuidado com ela mesma? Porque é o último que fica? Isso se ela lembrar, se tiver tempo, disposição ou tudo isso junto.
As mulheres aprendem ao longo da vida que ao cuidar, estão demonstrando amor. Cuidado e amor acabam tendo uma relação muito estreita para elas, ficando difícil negar ou estabelecer seus limites.
E o cuidado, seja na forma de amor, seja na forma de trabalho, ainda é muito pouco reconhecido e valorizado.
A temática da redação do Enem foi voltada para questões econômicas envolvidas, sobre o quanto o trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil não é remunerado ou mal remunerado.
Mas chamo a atenção em relação ao tema do Enem com a saúde mental materna.
Há um desgaste e adoecimento em um cuidar que ocorre de modo contínuo e intenso, como o da casa e dos filhos, especialmente quando toda ou a maior parte fica a cargo da mulher. Assim, tal cuidado acaba envolvendo não apenas perda financeira, mas também de saúde física e mental.
Desse modo, a mulher fica sem tempo e dinheiro para cuidar de si e, pior, ainda acaba sendo culpabilizada por chegar nessa situação e não conseguir sair dela sozinha.
O impacto dessa sobrecarga na saúde mental tem sido agora mais estudado e nomeado como exaustão materna (em inglês maternal burn-out). É preciso olhar para isso com a devida seriedade, tanto para prevenir como para realizar o tratamento adequado.
A pergunta que precisamos fazer é: como está a saúde mental de quem cuida? Como se pode cuidar bem sem estar com uma boa saúde mental? Como o cuidado seria ainda melhor se o cuidador pudesse investir na sua própria saúde?
Quando quem cuida se cuida, todos se beneficiam. Assim como, todos ganham quando se envolvem nos cuidados. Se o cuidado fica centrado em apenas uma pessoa, ela adoecendo, quem se encarregará do que ela faz? E como não adoecer em algum momento devido à sobrecarga?
É preciso olhar para o cuidado de forma coletiva, pertencente a todos.
Para não haver sobrecarga da mulher nos afazeres domésticos, faz-se necessário constatar de que tanto mulher quanto homem são capazes de aprender e realizar todas as funções. Não há determinadas atividades em que a mulher teria mais jeito de fazer apenas por ser mulher, ou seja, não existem habilidades inatas e naturais, e vice-versa. Assim como, não há atividade dentro do lar que seja menos importante ou inferior, como lavar louça (quando é dito à mulher para “lavar uma louça” se está diminuindo seu trabalho e valor, revelando a misoginia – desprezo contra mulheres).
Quanto à criação dos filhos, também não há razão para o homem se esquivar de aprender o exercício da paternidade. A mulher também está em contínuo aprendizado sobre o maternar. Se ambos estão aprendendo a exercer a parentalidade, não tem porque dizer que a mulher precisa ensinar o homem a ser pai. Mesmo com ambos os pais se responsabilizando pelo cuidado, uma rede de apoio se faz necessária para ajudar com os filhos.
Dizer que basta a mulher delegar o cuidado da casa ao marido ou pedir apoio no cuidado dos filhos é quase o mesmo que dizer que a culpa é dela por não conseguir sair dessa situação de invisibilidade.
Há um provérbio africano que diz que é preciso de uma aldeia inteira para criar uma criança.
O cuidado pode ser visto e realizado por todos.
Entenda mais sobre a exaustão materna para saber o que fazer diante disso, clicando aqui.
Texto escrito por:
Caroline Lampe Kowalski
Psicóloga Clínica CRP 12/10806
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